domingo, 31 de agosto de 2008

LEITOR

Envio o seguinte para sua aprovação. Espero não incomodá-lo, pois, conforme C., a maioria de vocês se aborrece com a enorme quantidade de escritos desnecessários que chegam para consulta.
O silêncio bastará como indicativo de necessários melhoramentos.
A resposta enviará (!) o devido incentivo para prosseguimento, e, sendo possível o acréscimo de sugestões.
Que o silêncio, caso seja a opção, seja diverso do tipo narcísico, o qual evita a apreciação com critério de abertura, criando empecilhos para o acesso ao letramento e apropriação de culturas daqueles que mais têm necessidade.

P.S.
Muitas letras
grafadas na Casa Grande
atestam, protestam, dão fé.
A bola, no entanto,
é dominada por Pelé.
Embora se possa dizer:
A bola, domina Pelé
Nesse caso fonético
A bola domina ou não
Sem contradição
A bola é a bola da vez
Dominada da cabeça ao pés
Por Pelé
Ao mundo do Santos
É de som
Ar
Antes do Nascimento.

sábado, 30 de agosto de 2008

ESCRITOR

Você anda, você ri, você escreve, mas você não me vê. Alimento seu trabalho com a leitura das páginas que você preenche com as palavras que já estavam aí no mundo, algumas antes mesmo de você chegar. Aprendo com você. Avanço com você linha a linha, página a página, passo a passo vou buscar o livro ou a fonte onde você se expõe. As idéias que nem sempre consigo expressar com a clareza muitas vezes encontro elaboradas em seus textos. Tento ao máximo citá-lo como fonte.
Por quê leio?
Por um desejo profundo de me comunicar.
Tão imensa essa necessidade que as palavras faladas são pouco; as palavras ouvidas são pouco; as palavras escritas são pouco; as palavras lidas são pouco; as palavras pensadas são pouco. Todas juntas dão algum resultado.
Ao ler, tudo vem do silêncio. Ouço a voz das palavras saltarem da aparência gráfica; seu coração feito montaria por seu laborioso uso da mão em favor da escrita.
Aqui identifico o escritor que você é dirigindo-se a mim. Eu, leitor que te identifico como escritor por que a ti me reporto.
Um circuito virtuoso.

domingo, 17 de agosto de 2008

RAPACES

Daqui a três kilometros estou autorizado a fazer mais uma parada. Posto Amigaço do Estradeiro, churrasco gaucho e música ambiente. Vou tomar um banho, espantar cansaço e calor.
Monitoramento, câmbio! Aproximação do posto. Licença para abertura de porta. Senha xxxxx. Concedido!
_ Quieto senão leva bala. Desce e deixa a porta aberta que meus amigos vão entrar e ficar quietinhos enquanto você usa o posto. nem um gesto, senão leva bala.
_Assim, segui o cara com a arma, enquanto os outros dois ficaram deitados no banco, esperando meu retorno. O armado ficou na minha cola até no banheiro. (Pensava no momento : Que merda! Um desconhecido espiando e encostando a pistola na minha nuca.Eu não sou burro. Não é pra qualquer um dirigir esses caminhões monitorados por radar. Tem que ser gente de melhor nível; esse é o meu caso. E não vou botar a vida a perder por causa da carga, não).
_Quanto tempo de parada ocê tem nesse posto?
_ 40 minutos pra almoço e 20 pra descanso.
_Uma hora, merda! Então vai, almoça. Tô junto e conversando animado. Faz favor de responder e rir; não dá mostra de nada, senão já sabe, vai correr sangue.
_Duro foi passar o tempo do descanso. Avisei ao monitoramento e pedi a abertura da porta. O cara continuou na minha cola até que eu subi. Os dois, lá dentro, me apntavam uma arma e estavam abaixados.
Depois que o monitoramento travou a porta, deu sinal pra eu partir.
O cara lá de fora me deu um tchau animado, coisa de amigo mesmo, entrou no automóvel prateado e seguiu até um trecho; depois tomou uma variante na estrada e sumiu.
Enquanto isso, o cara do meu lado continuava com a arma e me deu ordem de abrir o vidro. Com essa o sistema de monitoramento não contava! Abri a merda da janela já sabendo que iam me mandar pra fora. Eu nem tive medo de me matarem, pois acho que ia dar mais trabalho me lançar morto pra fora do que me fazer saltar. Foi isso! A velocidade controlada a 60km nesse trecho me ajudou a sofrer menos escoriações.
Daqui em diante, só sei o que me contaram que foi apurado. Um pegou o volante, enquanto o outro foi cortando os fios do sistema. Com isso, podiam desviar o caminhão e a carga pra onde quisessem. O telefone ficou lá, documentos, tudo que eu tinha. Desci com sapato, calça e camisa.
Sei dizer que até essa parte deu certo. Os moços conseguiram desligar e desviar pra uma estrada de terra. O outro, do carro prateado chegou lá com mais dois. Foram todos examinar a carga. Descarregaram e passaram pro veículo deles com tanta rapidez que a polícia suspeita que a quadrilha utilize até equipamentos próprios para deslocamento e manuseio de cargas.
O caminhão ficou abandonado menos de um dia. Foi encontrado sem avarias. O que eles queriam mesmo levaram. Levaram até a Regis, mas no acidente, dois morreram e o que sobreviveu em estado grave, deu no depoimento essas notícias, como acabo de trazer.
Agora soube que vão colocar grades nas janelas dos caminhões todos.
Vamos ver se evita!

sábado, 16 de agosto de 2008

HOJE É DIA DO CAMIONEIRO

Quem quiser que vá rodando. Já estou na estrada tempo suficiente pra acreditar que nem o senhor nem a senhora vão conceder um olhar sequer a menos que vejam algum de sua espécie. São pós-racionais; pós. Costumam criar espaços amplos de desconvivência para se reunirem mui educadamente entre um brandy e observações sobre as inovações do campo do comportamento.
Ultrapassagem perigosa, faixa amarela. Ao redor da cintura de segurança há a proteção contra acidente com risco de morte. Faixa de miss preta.
O patrulheiro rodoviário usa rayban e poe o Rinti pra cheirar os porta-malas porque ali pode estar aquela droga de mercadoria contabandeada. O próprio veículo foi furtado e tem placa clonada; mas a carteira falsificada é quente por causa da assinatura do delegado do departamento que faz parte do organizado futebol clube que joga na várzea alugada do sítio.
Primeira! Arranca pois já está ligado ao radar desde a saída e consta que somente 30 minutos são suficientes para uso do posto Amigo dos Rodamontes - mictório, lanchonete e revenda de cds piratas.
O senhor e a senhora já vão longe no seu IBMW. Só vão de automóvel porque a praia é próxima demais para encararem vôo. Mas já estão pensando no helicóptero da próxima vez. Está irrespirável o espaço das estradas com todos os perigos rondando as curvas.
Vou em frente, agarrando e controlando o círculo com as duas mãos. Foi a habilidade que mais desenvolvi quando criança. O som com a boca foi calando e o motor que se fabrica hoje é tão silencioso quanto eu.
Ligo o rádio e escuto a meio tom a voz do locutor que oferece brinde ao primeiro que ligar. penso pegar o celular. Será que ele pega? Contenho a intenção. Direção defensiva.
Estou na estrada, nessa longa estrada, asfaltada, rodada.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O Borracheiro

Não é personagem de Monteiro, nem modelo de Tarsila. Anônimo de beira de estrada. Tipo pouco íntimo da limpeza, varre a borracharia quando enxerga o lixo já insuportável. Dorme no quartinho dos fundos. Não é proprietário. Mas está tão esquecido que nem o patrão vem ali buscar trocados. No quartinho usa um catre feito de bambu, sobre o qual pos uma espuma amarela e um jogo de lençol jogado e faz de travesseiro uma jaqueta que um cliente esqueceu e nem serviu. Tem uma panela de alumínio e uma colher e o canivete. O copo é reciclado de embalagem de milho verde em vidro. Quase sempre se o vê vestido numa camisa polo bege e calça de brim azul. Chinelas nos pés. Jamais usa luvas. Para que, também! Ninguém passa por aquela borracharia com frequencia maior que cinco depois cinco dias. Por isso, enquanto aguarda trabalho, tira uma soneca dentro do gigantesco pneu de pá colheitadeira, que um dia achou bonito e aceitou como enfeite e chamariz para o seu comércio.