domingo, 21 de dezembro de 2008








ANEMIA, ANEMIA

(um lamento para o SUS)

Caminhando contra o tempo
Sem plano de saúde
Numa fila do sistema
No sentido do ataúde

Você vai querer?
Você vai permitir?
Se continuar a manter a base na apatia
Esboça a veia que corre no corpo
Desse sistema sanguíneo, essa via
Fraca da anemia, anemia

XICRIPIR

O pires é apoio da xícara. A função é amparar, aparar, evitar derramamento ou manchas em toalhas e móveis. São duas peças independentes, podem servir avulsas, mas sua concepção original é de unidades de um conjunto. Talvez, por um relativo ponto de vista, um conjunto como tudo nesse universo!
Já imaginaram se os objetos ganhassem vida e o pires, por exemplo, derrubasse a xícara por discordar do conteúdo que ela acolhe? Isso é coisa para desenho de animação! Na realidade das palavras já conheci algumas que na relação de proximidade acabaram se unindo numa nova palavra. E algumas palavras se formaram quase a nos convencer de que signo e símbolo estão ali representados.
Em Goa, na Índia, muitas palavras herdadas do português foram incorporadas à língua que se fala por lá atualmente. Soube de duas muito interessantes. Uma é fós, que é o fósforo que conhecemos; e xícara e pires se transformaram em xicripir.
Sei que no português do Brasil, quando duas palavras se juntam numa só ocorre, ou justaposição, e aí não há perda fonética, como no caso de girassol - gira sol - ou, aglutinação, onde há perda fonética tipo vinho acre em vinagre. Já no caso de fós, recordo assim rapidamente do Vossa mercê, que chegou a você e caminha pra ce, ou c, dizem alguns.
Pela gramática de Goa a interpretação há que ser diferente, mas me passou que o fós com seu som de pólvora riscada, a chama na madeira que queima tão rápida, desejou se exprimir veloz. E xicripir...aqueles dois objetos tão desiguais em sua forma e propósito, ambos úteis e compartilhando sua existência no conjunto comum dos objetos...Bem, haveria algo para expressar melhor o significado verdadeiro e profundo da amizade?

sábado, 20 de dezembro de 2008

PERCA

A Graça ficou sem graça
A Rosa viu murchar a flor
Sofia, analfabeta em Nova Yorque
Solange, na noite escura
Simone em nãos submersa
Sara, hospitalizou-se
Maria longe da praia
Mira, cega de nascença
Risia, sem humor algum
Luzia, sem brilho
Lucy, no escuro
Vitória, última no pódium
Patrícia, no exílio
Marcia, desarmada
Alma, perdida
Alba, no entardecer
Branca, encardida
Aparecida, procurada
Linda, enfeiou
Lígia, sem amo
Vilma, sem vileza ou maldade
Angela, possessa
Divina, terrena
Olívia, sem oleosidade
Pietra, mole
Sílvia, sequer assovia
Cristina, sem fé
Glória, preterida
Santina, no prostíbulo
Zoé, não é mais
MINAS
Maria José de Menezes

Água translúcida
a gotejar nos cântaros
filtrada
nos estalagmites


EM CONSTRUÇÃO
Maria José de Menezes

Tijolo, tijolo, tijolo
em cima
um do outro
tijolo, tijolo
ao lado
um do outro
tijolo, tijolo
cimento e pedra
Pedreiro, pedreiro, pedreiro
ao lado um do outro
pedreiro, pedreiro
Em cima
a pedra, o tijolo, terreno
pedreiro de pedra
de Pedro, de pé
Parceiro, tijolo e ferro
são duros de pedra
tijolo, tigela, marmita
de sopa de pedra
pedreiro, tijolo
andaime, escada
tijolo, cimento
e laje e ferro
ferragem, ferrado
assentado em tijolo
aquece a marmita
de sopa, de massa
cimento, acaba tijolo
na massa corrida
oculto da vista


RELAÇÃO TEMPO
Maria José de Menezes

T em pó
Te'm em pó
Tem pó
Tempo

GRAMA
Maria José de Menezes

Verde rente relva
Frente primavera
Rama rizotônica
Grama
Rama
Ama
Hare
Hare

MIDA
Maria José de Menezes

PLIC
PLIC
DUPLIQUE

RIMAS
Maria José de Menezes

Sistema e problemas
pastéis e cascavéis
canção e violão
aurora e craviola
forno e boca aberta
chega e acabou









VOU SOMAR
Maria José de Menezes

Eu vou fazer par com você
vou fazer pra você ver
vou fazer pra você vir
Fazer par, fazer par, fazer par
Eu vou parar pra fazer par
Para em par partir pra frente
Par que vai de par em par
par pra frente, par pra frente
Eu e você fazendo par
Parece bom, parece paz
Par é somar, paramentar
Pra se encontrar no paraíso
Para parlar, parlar, parlar

FLUXO
Maria José de Menezes

CONTA GOTA
CONTA OUTRA
CONTA CONTA
COM TA
GO TA
OU TRA
TRA TRA TRA
TRRRRRRRRR
















PASSARINHOS
Maria José de Menezes

Soltei os passarinhos
prisioneiros de gaiola
Que eu saiba passarinhos
são bicho não são vitrola
nem enfeite
nem malvados
Por que viver aprisionados?
Soltei os passarinhos
liberdade ares conquista
Sul e Norte no verão
Pra que visto de turista?
Xô passar
Xô passar
Xô passarinho

O SOL
Maria José de Menezes

DO REDONDO
RAIOS
RETOS
REAIS

LOUVA DEUS
Maria José de Menezes

Um inseto verde
mínimo na criação
traz sempre posta
uma frente a outra mão










PALAVREIRA
Maria José de Menezes

Nogueira
Pereira
Macieira
sobrenomes que dão frutos
Pera
Fruto que deixou semente
Maciel
derivação da maçã em sobrenome
Quantos frutos rendem as palavras

BOLOBO
Maria José de Menezes

Aviso ao lobo
que lobo vira bolo
com eu batendo
a massa
das letras
no fazer culinário
da literatura

BOLO DE FUBÁ
Maria José de Menezes
Não sei fazer bosta nenhuma
na cozinha
senão o cotidiano
árabe, eslavo, chinês, japonês
indiano, francês
algum americano
africano, italiano
indígena
brasileira
Doce
de banana
como sou
trivial






AFLORADA
Maria José de Menezes

À flor que desabrochou
que diz a brochura?
Que diz a brochura:
a flor desabrochou
A brochura diz
desabrocha flor
flor desabrochada
à brochura dada
dada de dadá
dada à vida deusa
afrodite dá
fala de bebê
dada de dá, dá
dá de dê e dó
música e flor
desbrocha amor
flor
amor
brochura
broxa de pintura
pintura de cor
cor de flor e amor
amor e frescura
cura flor lisura
flor desabrochada
brochura aflorada
o que diz a flor
quer dizer: amor

sábado, 11 de outubro de 2008

SAMBA DO ELEITOR

Preciso do endereço
onde fica a zona
por isso estou ligando
essa parafernália (web)
senão eu vou sair
mesmo que sem Anália
vou só e vou a esmo
mais comigo mesmo ( breque:atenção êh leitor afobado: é mais de soma mesmo; e não mas, de evasivo)
levado pela intuição
caminhando e contanto
que cante a canção
que traga à lembrança
uma recordação
dos passos à esquerda
onde fica o coração
do candidato à liderança
nessa eleição
Isquindum
Isquindum
(Bis pros Isquindum)

domingo, 14 de setembro de 2008

Aflorada

À flor que desabrochou
que diz a brochura?
Que diz a brochura:
a flor desabrochou
A brochura diz
desabrocha flor
flor desabrochada
à brochura dada
dada de dadá
dada à vida deusa
afrodite dá
fala de bebê
dada de dá, dá
dá de dê e dó
música e flor
desbrocha amor
flor
amor
brochura
broxa de pintura
pintura de cor
cor de flor e amor
amor e frescura
cura flor lisura
flor desabrochada
brochura aflorada
o que diz a flor
quer dizer: amor

domingo, 31 de agosto de 2008

LEITOR

Envio o seguinte para sua aprovação. Espero não incomodá-lo, pois, conforme C., a maioria de vocês se aborrece com a enorme quantidade de escritos desnecessários que chegam para consulta.
O silêncio bastará como indicativo de necessários melhoramentos.
A resposta enviará (!) o devido incentivo para prosseguimento, e, sendo possível o acréscimo de sugestões.
Que o silêncio, caso seja a opção, seja diverso do tipo narcísico, o qual evita a apreciação com critério de abertura, criando empecilhos para o acesso ao letramento e apropriação de culturas daqueles que mais têm necessidade.

P.S.
Muitas letras
grafadas na Casa Grande
atestam, protestam, dão fé.
A bola, no entanto,
é dominada por Pelé.
Embora se possa dizer:
A bola, domina Pelé
Nesse caso fonético
A bola domina ou não
Sem contradição
A bola é a bola da vez
Dominada da cabeça ao pés
Por Pelé
Ao mundo do Santos
É de som
Ar
Antes do Nascimento.

sábado, 30 de agosto de 2008

ESCRITOR

Você anda, você ri, você escreve, mas você não me vê. Alimento seu trabalho com a leitura das páginas que você preenche com as palavras que já estavam aí no mundo, algumas antes mesmo de você chegar. Aprendo com você. Avanço com você linha a linha, página a página, passo a passo vou buscar o livro ou a fonte onde você se expõe. As idéias que nem sempre consigo expressar com a clareza muitas vezes encontro elaboradas em seus textos. Tento ao máximo citá-lo como fonte.
Por quê leio?
Por um desejo profundo de me comunicar.
Tão imensa essa necessidade que as palavras faladas são pouco; as palavras ouvidas são pouco; as palavras escritas são pouco; as palavras lidas são pouco; as palavras pensadas são pouco. Todas juntas dão algum resultado.
Ao ler, tudo vem do silêncio. Ouço a voz das palavras saltarem da aparência gráfica; seu coração feito montaria por seu laborioso uso da mão em favor da escrita.
Aqui identifico o escritor que você é dirigindo-se a mim. Eu, leitor que te identifico como escritor por que a ti me reporto.
Um circuito virtuoso.

domingo, 17 de agosto de 2008

RAPACES

Daqui a três kilometros estou autorizado a fazer mais uma parada. Posto Amigaço do Estradeiro, churrasco gaucho e música ambiente. Vou tomar um banho, espantar cansaço e calor.
Monitoramento, câmbio! Aproximação do posto. Licença para abertura de porta. Senha xxxxx. Concedido!
_ Quieto senão leva bala. Desce e deixa a porta aberta que meus amigos vão entrar e ficar quietinhos enquanto você usa o posto. nem um gesto, senão leva bala.
_Assim, segui o cara com a arma, enquanto os outros dois ficaram deitados no banco, esperando meu retorno. O armado ficou na minha cola até no banheiro. (Pensava no momento : Que merda! Um desconhecido espiando e encostando a pistola na minha nuca.Eu não sou burro. Não é pra qualquer um dirigir esses caminhões monitorados por radar. Tem que ser gente de melhor nível; esse é o meu caso. E não vou botar a vida a perder por causa da carga, não).
_Quanto tempo de parada ocê tem nesse posto?
_ 40 minutos pra almoço e 20 pra descanso.
_Uma hora, merda! Então vai, almoça. Tô junto e conversando animado. Faz favor de responder e rir; não dá mostra de nada, senão já sabe, vai correr sangue.
_Duro foi passar o tempo do descanso. Avisei ao monitoramento e pedi a abertura da porta. O cara continuou na minha cola até que eu subi. Os dois, lá dentro, me apntavam uma arma e estavam abaixados.
Depois que o monitoramento travou a porta, deu sinal pra eu partir.
O cara lá de fora me deu um tchau animado, coisa de amigo mesmo, entrou no automóvel prateado e seguiu até um trecho; depois tomou uma variante na estrada e sumiu.
Enquanto isso, o cara do meu lado continuava com a arma e me deu ordem de abrir o vidro. Com essa o sistema de monitoramento não contava! Abri a merda da janela já sabendo que iam me mandar pra fora. Eu nem tive medo de me matarem, pois acho que ia dar mais trabalho me lançar morto pra fora do que me fazer saltar. Foi isso! A velocidade controlada a 60km nesse trecho me ajudou a sofrer menos escoriações.
Daqui em diante, só sei o que me contaram que foi apurado. Um pegou o volante, enquanto o outro foi cortando os fios do sistema. Com isso, podiam desviar o caminhão e a carga pra onde quisessem. O telefone ficou lá, documentos, tudo que eu tinha. Desci com sapato, calça e camisa.
Sei dizer que até essa parte deu certo. Os moços conseguiram desligar e desviar pra uma estrada de terra. O outro, do carro prateado chegou lá com mais dois. Foram todos examinar a carga. Descarregaram e passaram pro veículo deles com tanta rapidez que a polícia suspeita que a quadrilha utilize até equipamentos próprios para deslocamento e manuseio de cargas.
O caminhão ficou abandonado menos de um dia. Foi encontrado sem avarias. O que eles queriam mesmo levaram. Levaram até a Regis, mas no acidente, dois morreram e o que sobreviveu em estado grave, deu no depoimento essas notícias, como acabo de trazer.
Agora soube que vão colocar grades nas janelas dos caminhões todos.
Vamos ver se evita!

sábado, 16 de agosto de 2008

HOJE É DIA DO CAMIONEIRO

Quem quiser que vá rodando. Já estou na estrada tempo suficiente pra acreditar que nem o senhor nem a senhora vão conceder um olhar sequer a menos que vejam algum de sua espécie. São pós-racionais; pós. Costumam criar espaços amplos de desconvivência para se reunirem mui educadamente entre um brandy e observações sobre as inovações do campo do comportamento.
Ultrapassagem perigosa, faixa amarela. Ao redor da cintura de segurança há a proteção contra acidente com risco de morte. Faixa de miss preta.
O patrulheiro rodoviário usa rayban e poe o Rinti pra cheirar os porta-malas porque ali pode estar aquela droga de mercadoria contabandeada. O próprio veículo foi furtado e tem placa clonada; mas a carteira falsificada é quente por causa da assinatura do delegado do departamento que faz parte do organizado futebol clube que joga na várzea alugada do sítio.
Primeira! Arranca pois já está ligado ao radar desde a saída e consta que somente 30 minutos são suficientes para uso do posto Amigo dos Rodamontes - mictório, lanchonete e revenda de cds piratas.
O senhor e a senhora já vão longe no seu IBMW. Só vão de automóvel porque a praia é próxima demais para encararem vôo. Mas já estão pensando no helicóptero da próxima vez. Está irrespirável o espaço das estradas com todos os perigos rondando as curvas.
Vou em frente, agarrando e controlando o círculo com as duas mãos. Foi a habilidade que mais desenvolvi quando criança. O som com a boca foi calando e o motor que se fabrica hoje é tão silencioso quanto eu.
Ligo o rádio e escuto a meio tom a voz do locutor que oferece brinde ao primeiro que ligar. penso pegar o celular. Será que ele pega? Contenho a intenção. Direção defensiva.
Estou na estrada, nessa longa estrada, asfaltada, rodada.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O Borracheiro

Não é personagem de Monteiro, nem modelo de Tarsila. Anônimo de beira de estrada. Tipo pouco íntimo da limpeza, varre a borracharia quando enxerga o lixo já insuportável. Dorme no quartinho dos fundos. Não é proprietário. Mas está tão esquecido que nem o patrão vem ali buscar trocados. No quartinho usa um catre feito de bambu, sobre o qual pos uma espuma amarela e um jogo de lençol jogado e faz de travesseiro uma jaqueta que um cliente esqueceu e nem serviu. Tem uma panela de alumínio e uma colher e o canivete. O copo é reciclado de embalagem de milho verde em vidro. Quase sempre se o vê vestido numa camisa polo bege e calça de brim azul. Chinelas nos pés. Jamais usa luvas. Para que, também! Ninguém passa por aquela borracharia com frequencia maior que cinco depois cinco dias. Por isso, enquanto aguarda trabalho, tira uma soneca dentro do gigantesco pneu de pá colheitadeira, que um dia achou bonito e aceitou como enfeite e chamariz para o seu comércio.