sexta-feira, 27 de março de 2009

SERPENTÁRIO

Este (sei lá se) conto, foi publicado no "Pó&Teias com um erro: na última linha, ao invés de "esquisito o gosto DE vida daquela morte", saiu "esquisito o gosto DA vida daquela morte". Para mim, isto altera o sentido!

Escrevi para...



SERPENTÁRIO

O tempo, as relaões entre as pessoas, os títulos, as instituições foram ficando, se já não eram antes, esquisitos. Ou recebendo intervenções de esquisitisse, até se tornarem uma outra coisa.

Só por exemplo, as gerações começaram a referir-se umas às outras em termos de estilo de vida da década posta em questão. Anos sessenta representava um certo modo de vestir, pentear cabelos, portar-se em público. Anos vinte era uma mistura de cortes de cabelo, adereços no pescoço ou nas golas, danças, tornozelos à mostra. Modernos, pós-modernos, beats, punks, hippies, rappers, outros exemplos da nova nomenclatura. Vestia-se essas décadas. Atuava-se esses pareceres. Portava-se. Referendava-se. O passado próximo.

Tudo estava acontecendo ali mesmo, num sem tempo, onde as pessoas tinham pressa de terminar o serviço. Para tudo se tinha pressa. Pressa de comer devagar. E ninguém tinha tempo. De fazer. O que era certo.

Ao mesmo tempo, tratavam de desfazerem-se do passado com rapidez. Os paradoxos prolixos foram banidos da ordem da classe. Por sua vez, isso afetava todo seu sistema. O patrimônio, as coisas feitas bonitas e caprichadas, para onde teriam que ir? Serão ruinas? Ou recordações? Quem decide é quem fica e deve pensar também no porvir. As gerações parece terem se esquecido que o homem é um ser que se sabe. Até onde lhe caiba saber. Tudo esbarra em algo mais sólido, ou melhor, em algo potente o suficiente para fazer contenção.

Até vida e morte se esbarram. Mas a morte não faz contenção. A vida absorve a morte.

E para o tempo, as relações, os títulos, tudo havia, uma vida ocorria além de tudo que morria; esquisito o gosto de vida daquela morte.
Continua...